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terça-feira, 13 de abril de 2010

Encontros e Despedidas (MIlton Nascimento) X Só de Passagem (Pitty)

“Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força

que acordarás as fúrias do pálido e do frio,

de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,

de sol a sol sonha através de tua boca cantante.

Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.

Não quero que minha herança de alegria morra.

Não me chames. Estou ausente.

Vive em minha ausência como em uma casa.

A ausência é uma casa tão rápida

que dentro passarás pelas paredes

e pendurarás quadros no ar.

A ausência é uma casa tão transparente

que eu, morto, te verei, vivendo,

e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.” (Pablo Neruda)

O texto dessa semana, para não fugir à regra, foi parido num tempo maior do que deveria. Mas dessa vez, tenho o álibi, um assunto que justifica. É adiar o inadiável e estender por um tempo maior, o que inevitavelmente chegará, cedo ou tarde. Mas na verdade, é muito além do que eu planejava fazer. Quando pensei nas músicas em questão, estava com uma idéia inicial. Fatos nos últimos dias, colaboraram para expandir minhas idéias, aliados às influências que andei lendo, e como resultado, não sei onde essa bomba vai explodir.

Explico-me, para que entendam que o objetivo pode ser um, e o resultado final ser diferente: a minha idéia era falar da vida. De como estamos nesse mundo de passagem, entre erros, acertos, tropeços e saltos, tentando fazer valer a pena, tendo sempre pessoas ao nosso redor que nos influenciam. Tendo crenças que nos influenciam, tendo percepções do mundo que nos influenciam. Para isso, escolhi duas músicas que cabem certo com a minha idéia inicial. Daí pensei: como falar de vida e não abranger parte impreterível dela? Então, vários pensamentos relacionados à finitude da vida, me vieram à mente. E sim, no meio de tudo, falarei dela, a temida, ou a salvação. A evitada ou o fim do sofrimento. Morte, entre de forma sutil aqui, para que todos possam refletir sobre você, dessa vez com um novo olhar. Vamos lá, vamos pelo menos tentar.

Grandes influências de hoje, Milton Nascimento e Pitty, me ajudam com “Encontros e Despedidas” e “Só de passagem”. Não sei nem por onde começo. Se exponho minhas idéias e depois falo das músicas, ou vice-versa. Mas vamos tentar focar, e começar pela músicas, visto que são protagonistas desse blog.

Milton Nascimento fala de uma música que sempre me foi meio familiar. No tempo de escola, o meu Eu de catorze anos escreveu, certa vez, uma redação que falava sobre a vida. Falava sobre a vida como uma viagem de trem, onde podemos descer em várias estações para realizar grandes feitos, mas descer ou não é uma opção nossa, e reembarcar é nossa falta de opção, porque se ficarmos ali parados, não iremos a lugar algum. O embarque é só de ida, e se passarmos toda a viagem sem descer em estações para conhecer novos lugares dentro de nós mesmos, chegaremos ao fim da viagem sem ter tido nada de proveitoso. Okay. Chega do meu Eu de catorze anos, que foi desacreditada pela professora quanto à autoria. Ela queria saber qual livro utilizei, mas isso não vem ao caso.

Encontros e despedidas, de uma forma ou de outra, fala disso. E fala mais, fala do mundo de lá. O outro lado da vida. Ele quer saber noticias de lá, e saber quem está desse lado. Ele quer ser recebido por pessoas queridas, independente de que lado da vida esteja, seja a finita, seja a eterna. Ele gosta de poder partir sem ter planos, e poder voltar sempre que quer (espíritos são livres, espíritos só passam por aqui), nas nossas idas e vindas ao longo de várias vidas pela eternidade. A vida se repete na estação (mudaram as estações, nada mudou), o que mudam são apenas os protagonistas, com histórias parecidas ou divergentes, porém o que não podemos é ser coadjuvantes da nossa própria história. Tem gente que veio só olhar. Que sejamos quem chegue pra ficar, ou aqueles que vão pra nunca mais, para ancorar em um porto diferente, mas deixando uma marca de eternidade por onde passamos. E assim, vivendo a sorrir e a chorar, chegamos e partimos, de encontro aos dois lados da mesma viagem. A hora do encontro é também despedida, porque toda partida é a chegada a um outro lugar.

Momento de fechar ciclos e finalizar etapas. E de reencontros tão antigos que ficaram no esquecimento em nossa memória. A plataforma dessa estação, são as vidas que adiam sem explicação. Vidas que Pitty mostra por um olhar passageiro em “Só de passagem”. Ela diz que não é nada daquilo presente no universo em que vive, e sim está naquela situação de forma temporária, como um caixeiro viajante a espera do próximo destino. Não tenho cor nem cheiro, eu não pertenço a lugar nenhum. Porque posso estar em todos os lugares sem estar acorrentada a nenhum deles. Ela mostra nossa existência como uma fotografia. Um registro de um momento, um recorte no tempo, onde estávamos naquela cena, sob aquela lente, naquele foco, vestindo aquela identidade. Mas não significa que ficaremos ali, parados, com sorrisos congelados, pela eternidade.

Nada me toca, nem aprisiona. Como diz Paulo Leminski, “Esta vida é uma viagem, pena eu estar só de passagem”. Eu possuo muitas coisas, mas nada disso me possui. É como aquela história de “Desejo que ganhe dinheiro, pois é preciso viver também. E que você diga à ele, pelo menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem.”

O lance, é não inverter as peças do jogo e as ordens dos fatores, porque isso vai alterar todo o resultado final. Eu posso possuir coisas, mas não posso me aprisionar a elas, deixando que elas me possuam. É mais ou menos isso que as pessoas materialistas sentem. Elas são tão presas ao que tem e ao que desejam ser, que esquecem a que vieram e o que verdadeiramente são. E o que essencialmente importa. O necessário não é possuir nada. E tampouco se deixar possuir por invólucros temporários. Que sejamos espíritos livres, que passeiam por aqui, sem explicação, acima da carne e do metal.

Que aceitemos a complexidade que é viver e que consigamos lidar com o fantasma da finitude da nossa existência material sem nos assombrarmos diariamente, quando na verdade, deveríamos agradecer por cada dia que podemos nos reinventar e sermos algo novo. Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer, li certa vez.

Não há separação, nem distinção entre matéria e espírito. O que existe é uma liberdade maior quando conseguimos enxergar além dos nossos olhos. Eu posso (e devo) viver o aqui, e o agora, que pode ser o primeiro ou o último momento dentro desse minúsculo espaço de tempo na eternidade onde nos tornamos suscetíveis ao acaso fatídico. Esse espaço onde se valoriza demais pequenos gestos que fazem grande diferença, porque uma oportunidade perdida pode jamais ser recuperada.

O autor de “O Pequeno Príncipe” diz que o que se leva da vida, é a vida que se leva. Então, esse barco, quem conduz somos nós, tendo ou não experiência em navegar. Teremos que aprender a lidar com o mar calmo e o turbulento, sem ninguém para nos dizer pra que lado girar o leme. Mas devemos aproveitar as circunstâncias para nos fazer crescer em nossas certezas e nos permitir novos horizontes, sendo sempre nós mesmos, certos de que não seremos os mesmos por toda a eternidade, pois só o que está morto não muda. E querendo ou não, somos todos eternos, e estamos agora, infinitos enquanto duramos.

E se houver uma pedra bem grande no meio do caminho? E se uma encosta cair e tivermos que mudar o rumo, pegando um atalho ou um caminho mais longo? E se for tudo diferente do que planejamos, sonhamos? Se levarmos uma vida que não foi a almejada? Respondo parafraseando Fernando Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já não têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre ao mesmos lugares.É o tempo de travessia...E se não ousarmos fazê-la,teremos ficado para sempre,à margem de nós mesmos.”

Então, nossa próxima parada: viver o agora. Eternizá-lo. Porque devemos viver como se fossemos morrer no próximo segundo, para não gerar arrependimentos futuros. Frases clichês, que todos cansamos de ouvir, eu sei. Mas quando se trata de morte, muitos sentimentos entram em pauta: dor, irreversibilidade, saudades, inconformismo, indignação, impotência. E por aí vai.

Como diz Martha Medeiros, morrer é um verbo carregado pra se falar da nostalgia que a saudade traz, mas talvez seja o mais real. Porque a única saudade não saciada é a de quem não volta mais. Na nossa mente que entende que morte é o fim, é separação, é um eterno abismo entre duas almas que estavam ligadas, e que agora, tem um vão de separação. Um vão simples, na verdade, alcançável com um pulo. Um pulo de fé, esperança ou credibilidade no futuro que nos aguarda e no sentido que precisamos encontrar em nossas vidas. Não devemos esperar sermos poeiras de estrelas para que possamos brilhar. As próprias estrelas morreram há tanto tempo e querem continuar eternas.

Mas a nossa eternidade não começa quando a vida termina. Ela começa em atos bem vividos e palavras bem colocadas, nas frases certas, no tempo devido. Nos sentimentos vividos com a intensidade de um romance shakespeareano. Um velhinho barbudo e grisalho, adorado por toda a garotada que é fã do bruxo mais famoso do mundo, disse uma frase interessante: “Para uma mente bem estruturada, a morte é apenas a etapa seguinte”. Porém é muito difícil alguém estar tão estruturado que no momento da perda e da separação, tenha estrutura para agir com naturalidade diante do que deveria ser natural a todos nós. Ainda temos dentro de nós um algo, uma fagulha divina, que nos faz sensibilizar e nos sentirmos amputados em alguma coisa. É essa mesma fagulha que nos mantém como pessoas que podem fazer algo por um mundo melhor, porque ainda deixamos sangrar dentro de nós, emoções sinceras por algo temporariamente irreparável.

Morrer não dói, já dizia o poeta, que diz que as borboletas só vivem 24 horas. Mas isso é só uma questão de opinião. Há quem ache a morte bem dolorosa, para quem vai, e sobretudo, para quem fica desse lado. Acontece que certas coisas existem, independente de acreditarmos ou não. Independente da nossa fé e dos nossos princípios. A morte é uma dessas coisas. E todos temos que encarar isso, tendo preparo prévio ou não. O fato de que a vida continua (e se entregar é uma bobagem) também. Seja como vida eterna, seja com a pluralidade das existências, seja como for, e com o que se queira acreditar. Mas o fim absoluto não existe. O que existe, é o recomeço para algo novo. O para sempre, sempre acaba. E recomeça. Para dar lugar ao que é eterno. E aí, começo a pensar que nada tem fim. E não tem explicação, não tem, não tem...

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar teus olhos que são doces, porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida. E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados, para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada, que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz perenizada.”

(Ausência - Martha Medeiros)

By Monica

Links das Letras:

http://letras.terra.com.br/milton-nascimento/47425/

http://letras.terra.com.br/pitty/69133/

1 comentários:

Unknown disse...

Mônica sua bomba explodiu no lugar certo e na hora certa ,é impossivel falar de vida sem falar de morte,elas são irmãs siamesas . parabéns!!!!